segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

A Torre (ou Carta XVI)

C  U  I  D  A  D  O
U  I  D  A  D  O  C
I  D  A  D  O  C  U
D  A  D  O  C  U  I
A  D  O  C  U  I  D
D  O  C  U  I  D  A
O  C  U  I  D  A  D


O raio cairia de qualquer forma. Acertaria sua torre mais alta e lançaria os dois para certa queda incerta. Abalaria seu mundo e explodiria tudo aquilo em que acredita, quebrando-se e caindo os cacos.

Apenas aquilo que é real permanece.

O terremoto viria de qualquer forma. Levaria suas sólidas bases e lançaria os dois para uma inconfortável prisão de pedra e concreto. Estremeceria seu mundo e faria com que tudo aquilo que fosse dado como certo ruísse debaixo para cima, do bem construído alicerce ao teto.

Apenas aquilo que é real permanece.

O fogo viria de qualquer forma. Danificaria suas fortes paredes e sufocaria os dois em fumaças e cinzas. Queimaria seu mundo e faria com que tudo aquilo que fosse dado como correto se consumisse nas chamas de sua própria paixão.

Apenas aquilo que é real permanece.

O mar viria de qualquer forma. As ondas bateriam contra suas estruturas e derrubaria os dois para uma gelada e profunda mudança. Inundaria seu mundo e faria com que tudo aquilo que fosse dado por imutável encontrasse uma correnteza de incertezas.

Apenas aquilo que é real permanece.


A brisa veio ao amanhecer;
O chão se fez firme ao amanhecer;
O fogo destruidor se apagou ao amanhecer;
As ondas recuaram ao amanhecer;


E novamente, como sempre, podemos construir nosso sagrado refúgio. Para que enfim, seja destruído e o ciclo de fraqueza nos faça mais forte.

E a torre? Quanto mais poderosa e forte, maior a tempestade.

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

O Mago (Ou Carta I)

Atravessou a rua em passos rápidos. Suas vestes surradas e os panos que enrolou nos pés para que tivessem uma proteção precária fazia com que os outros moradores da cidade se sentissem nauseados. Seu cheiro também não era dos melhores. Mas ainda que olhassem torto para ele, corria em direção à praça principal para ver a apresentação que se seguia.

O homem fazia gestos lentos com as mãos e moedas sumiam e reapareciam, com gestos mais rápidos fazia animais desaparecerem. O menino olhava maravilhado cada um dos movimentos e mesmo com a barriga faminta, sequer percebeu as moedas que o homem ia recolhendo.

Ao fim da apresentação, o garoto se esgueirou por entre as pessoas que se movimentavam para retornar aos afazeres habituais e viu o homem terminando de reunir seus materiais. Aproximou-se.

- O senhor precisa de um ajudante? – Visivelmente nervoso fechou as mãos cravando a unha na sua palma.

- Por que precisaria? – O homem mal olhou para o garoto.

Seguiu um silêncio entre os dois, o menino buscando algo inteligente para que pudesse dizer ao mago, enquanto que o outro reunia seus últimos materiais de apresentação – olhou para o menino e deu as costas.

Não satisfeito com o desfecho, seguiu o homem pelas ruas tentando não ser percebido, e após algumas vielas viu o homem entrando na estalagem “À capela”, conhecida pela apresentação de músicos que não utilizavam nenhum instrumento musical.

Entrou em um beco, subiu em algumas caixas, se pendurou na beirada do telhado, subiu, e com o máximo de cuidado que possuía foi olhando de janela em janela do primeiro andar da estalagem, até que por um golpe de sorte, avistou o homem entrando em um dos quartos. Abandonando a precaução, correu na direção da chaminé e quase quebrando as telhas, se escondeu atrás dela.

Viu o mago tirando sua cartola, e soltando o cabelo firmemente preso, balançou a cabeça para se sentir livre. Foi até a mesa diante da janela do quarto, olhou para ela e sorriu. Levou a mão até o bigode e o retirou. O garoto abriu a boca em espanto.

Eis que o mago (ou a maga) olha na direção do garoto, que pensando estar escondido se mantém imóvel.

- Vai me esperar ficar nua para sair daí?

Envergonhado, o garoto deu alguns passos para o lado.

- Você precisa de um ajudante? – Não conseguia olhar para ela.

- Por que precisaria?

- Por que posso usar tudo o que sei para te ajudar em tudo o que precisa.

- Tudo o que você sabe?

- Sim. Que você é uma mulher.

- Parece que temos um acordo, agora entre e venha comer algo.



quarta-feira, 11 de novembro de 2015

O Louco (Ou Carta 0)

                                       Louco, Louco, Louco
                 Gritam aqueles lá
                                       de dentro de uma caverna
           no escuro a se alegrar


Você é Louco. Eles disseram.

De fato, era. Mas não pelos motivos que todas aquelas pessoas julgavam. Era insano por se jogar do penhasco. Sempre. Medo da queda? Por qual motivo?

Seu precipício era seu Eu e ao mergulhar tão profundamente sem pretensões de retorno, tornava-se o Grande Maluco do Desfiladeiro. Sua última montanha, a qual escalou sem grandes problemas, era bem alta. Até mesmo para ele. E por que não?

Lançou-se sentindo o vento passando pelo seu rosto e o ar sumindo de seus pulmões. Jogava-se para a vida enquanto em uníssono todos bradavam: É A MORTE CERTA.

E qual era a certeza na queda? O fim, claro. Quando com um baque surdo finalmente chegaria ao chão e ao contrário do que se esperava, não encontraria seu fim. De forma alguma seria a morte o fim em si: é apenas o recomeço.

Ouroboros não devora sua cauda na espera de sua própria destruição e o louco não pula no abismo esperando pela aniquilação de sua vida.


A cada salto uma nova viagem, um novo começo.