sexta-feira, 13 de novembro de 2015

O Mago (Ou Carta I)

Atravessou a rua em passos rápidos. Suas vestes surradas e os panos que enrolou nos pés para que tivessem uma proteção precária fazia com que os outros moradores da cidade se sentissem nauseados. Seu cheiro também não era dos melhores. Mas ainda que olhassem torto para ele, corria em direção à praça principal para ver a apresentação que se seguia.

O homem fazia gestos lentos com as mãos e moedas sumiam e reapareciam, com gestos mais rápidos fazia animais desaparecerem. O menino olhava maravilhado cada um dos movimentos e mesmo com a barriga faminta, sequer percebeu as moedas que o homem ia recolhendo.

Ao fim da apresentação, o garoto se esgueirou por entre as pessoas que se movimentavam para retornar aos afazeres habituais e viu o homem terminando de reunir seus materiais. Aproximou-se.

- O senhor precisa de um ajudante? – Visivelmente nervoso fechou as mãos cravando a unha na sua palma.

- Por que precisaria? – O homem mal olhou para o garoto.

Seguiu um silêncio entre os dois, o menino buscando algo inteligente para que pudesse dizer ao mago, enquanto que o outro reunia seus últimos materiais de apresentação – olhou para o menino e deu as costas.

Não satisfeito com o desfecho, seguiu o homem pelas ruas tentando não ser percebido, e após algumas vielas viu o homem entrando na estalagem “À capela”, conhecida pela apresentação de músicos que não utilizavam nenhum instrumento musical.

Entrou em um beco, subiu em algumas caixas, se pendurou na beirada do telhado, subiu, e com o máximo de cuidado que possuía foi olhando de janela em janela do primeiro andar da estalagem, até que por um golpe de sorte, avistou o homem entrando em um dos quartos. Abandonando a precaução, correu na direção da chaminé e quase quebrando as telhas, se escondeu atrás dela.

Viu o mago tirando sua cartola, e soltando o cabelo firmemente preso, balançou a cabeça para se sentir livre. Foi até a mesa diante da janela do quarto, olhou para ela e sorriu. Levou a mão até o bigode e o retirou. O garoto abriu a boca em espanto.

Eis que o mago (ou a maga) olha na direção do garoto, que pensando estar escondido se mantém imóvel.

- Vai me esperar ficar nua para sair daí?

Envergonhado, o garoto deu alguns passos para o lado.

- Você precisa de um ajudante? – Não conseguia olhar para ela.

- Por que precisaria?

- Por que posso usar tudo o que sei para te ajudar em tudo o que precisa.

- Tudo o que você sabe?

- Sim. Que você é uma mulher.

- Parece que temos um acordo, agora entre e venha comer algo.



quarta-feira, 11 de novembro de 2015

O Louco (Ou Carta 0)

                                       Louco, Louco, Louco
                 Gritam aqueles lá
                                       de dentro de uma caverna
           no escuro a se alegrar


Você é Louco. Eles disseram.

De fato, era. Mas não pelos motivos que todas aquelas pessoas julgavam. Era insano por se jogar do penhasco. Sempre. Medo da queda? Por qual motivo?

Seu precipício era seu Eu e ao mergulhar tão profundamente sem pretensões de retorno, tornava-se o Grande Maluco do Desfiladeiro. Sua última montanha, a qual escalou sem grandes problemas, era bem alta. Até mesmo para ele. E por que não?

Lançou-se sentindo o vento passando pelo seu rosto e o ar sumindo de seus pulmões. Jogava-se para a vida enquanto em uníssono todos bradavam: É A MORTE CERTA.

E qual era a certeza na queda? O fim, claro. Quando com um baque surdo finalmente chegaria ao chão e ao contrário do que se esperava, não encontraria seu fim. De forma alguma seria a morte o fim em si: é apenas o recomeço.

Ouroboros não devora sua cauda na espera de sua própria destruição e o louco não pula no abismo esperando pela aniquilação de sua vida.


A cada salto uma nova viagem, um novo começo.