terça-feira, 24 de maio de 2016

A Justiça, Ou Carta VIII



Ergueu-se do chão, embainhou a espada. Logo mais uma luta se aproximaria e estava cansado. Passou os dedos no bigode espesso, ergueu os olhos para a imponente estátua diante de si. Diziam que protege a todos que assim o merecem e diante desses anos de guerras, pedir por mais uma proteção poderia de alguma forma pesar demais. Com olhos de uma criança inocente e meio sorriso no rosto, disse: 

- Uma vez mais, Grande Dama. Abençoe este guerreiro para o que tenha que acontecer. 

Vestiu-se com armadura, elmo e pegou o escudo. Montou seu cavalo e foi para o campo de batalha.

* * *

Entregou seus sentimentos sem medo, talvez uma atitude um pouco provocada pelo Louco, com a força de um Carro. Mas o fez. E agora pedia clemência e suspirava por uma luz no fim do túnel que demonstrasse a ela que não tinha feito errado. Acendeu um cigarro, depois outro e outro. No quarto, o celular vibrou. Mensagem da operadora. Assim, iria para a quinta vez que usaria o isqueiro. Estava particularmente bonita naquele dia, um vestido que ia um pouco acima do joelho, vermelho é claro, meias finas pretas, bota de cano curto e um lenço que por vezes funcionava como xale. E ainda não sabia o que diria, se diria e por onde começaria. Ele entrou apressado, com certa urgência no andar, talvez por estar atrasado. Sentou-se a mesa e a olhou no fundo de seus olhos castanhos. 

* * *
Lutou com todas as forças pelo cargo, fez tudo o que podia e algumas coisas que não podia. Deixou de lado sua vida social (algo que pensava não ser mais necessário desde o término da faculdade), terminou relacionamentos, não visitou os parentes por algum tempo. Dedicação total. Mas ainda sentia que não teria como alcançar o que desejava. Motivos? Nenhum aparente, talvez fosse a política e o jogo dos poderes dentro da empresa. Pensou em vários momentos em desistir. Talvez assim pudesse recuperar o tempo perdido dentro do escritório – muito embora, não se sentisse confortável em dizer que o tempo foi, de fato, perdido. Fez algumas amizades, ampliou a quantidade e a qualidade de seus contatos e isso por si só já deveria ter valido a pena. Talvez.

* * *

- E daí? 

- Bem... o guerreiro morreu. Era velho demais para mais uma batalha e assim, por mais que tentasse não poderia sobreviver. 

- O que há de justo nisso? 

- Ergueram uma estátua dele na praça principal da cidade e todos contavam suas façanhas e as crianças fingiam ser o homem enquanto brincavam. A Justiça pesa todas as ações, pesa tudo o que é favorável e o que não é, e oferece aquilo que lhe é por direito. 

- Sei... e a mulher? 

- O namoro acabou. Mas não que fosse sua própria culpa, mas como permanecer em algo que foi negligenciado pelo seu parceiro? Em um primeiro momento, a situação se configura ruim para ela, mas quem estava colhendo os frutos mal plantados era ele. A Justiça pesa todas as ações, pesa tudo o que é favorável e o que não é, e oferece aquilo que lhe é por direito. 

- Hum... é... meio estranho. 

- O homem, ele não conseguiu o cargo por mais que tivesse se esforçado. Mas foi chamado por outro setor, onde cresceu muito mais se valendo dos conhecimentos adquiridos anteriormente. A Justiça pesa todas as ações, pesa tudo o que é favorável e o que não é, e oferece aquilo que lhe é por direito. 

- Não entendi, eles parecem que se deram mal, mesmo tentando fazer o certo. 

- Você entenderá... - Ofereceu mais uma xícara de chá, enquanto olhava para o jogo aberto.

E solene, a Justiça encontrava-se no centro da mesa.



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