terça-feira, 16 de agosto de 2016

A Morte (ou Carta XIII)





Ouviu ao longe a trombeta que avisava: Fim.

Como pode um sentimento acabar por culpa de erros cometidos de formas tão grotescas? Como pode uma relação encontrar em seu fim uma forma de superar e se erguer? Os olhos ficam marejados, o estômago em um turbilhão de sensações (nenhuma boa), a boca em contradição com os olhos, mantém-se seca e as mãos ficam geladas.

A espada atravessa o abdômen do samurai que não grita, não geme. Apenas aceita que é aquele o momento de demonstrar sua força, sua coragem e sua honra. A dor lenta espalha-se por todo o seu corpo e o consome por inteiro. Mas ainda que as vísceras estejam à vista da plateia, ele não deve parar – assim recobrará aquilo que foi perdido. De um lado a outro, um corte profundo. Não tão diferente do que às vezes devemos fazer.

A Morte passa levemente sua mão pelo corpo estendido, enquanto o público começa a se dispersar. À sua vista a adaga ensanguentada enquanto que não tão longe, a família mantém-se impávida.

- Estou pronto – Disse o samurai.

- Um ato bonito de qualquer forma. Haverá um tempo que isso não mais será possível, mas as pessoas escolherão outras formas de fazê-lo. – Havia um ar de desinteresse em sua fala, quase desdém.

O samurai assentiu, sem saber do que a mulher falava.

- Não acha estranho como há tanta dor nos términos? Há um quê de sacrifício. Não entendem uma lei universal simples.

O homem manteve-se ereto enquanto ouvia, com uma expressão sem sentimentos.

- O fim deveria ser um jubilo. Sabe o que significa? O fim significa que quando a folha seca cai no chão ela servirá para o propósito de nascimento e crescimento de outra árvore. O ciclo sem fim a que todos que estão vivos permanecem presos.

- Diga-me, jovem alma, do que mais gostava quando era encarnado?

- Gostava do sol da manhã, quando me sentava à varanda de minha casa e sentia uma brisa calma e fria no rosto.

- Diga-me então, jovem alma, o que você imagina que ainda irá gostar quando voltar a ser encarnado?



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