Mulher
sábia, anciã, mãe e mestra,
Você diminui a escuridão do céu e parteja o
nascer do sol,
Possuidora de energia e sabedoria,
Criadora do movimento e do significado,
Dai-me da sua força, ensine-me sua sabedoria.
No seu grande caldeirão Awen,
Eu experimento sua magia e conheço seu poder,
Eu transformo minha forma e aprendo com seu conhecimento.
Assim, eu começo a minha busca e ouço a sua inspiração,
Para um novo começo, o fim e a inevitável morte,
Meu
renascimento sendo guiado por você, Grande Cerridwen!
Ouviu ao longe a trombeta que indicava: Fim.
Era um boneco feito de estopa e recheado com palha. Diariamente
a jovem bruxa acrescentava as experiências que estava vivendo, mas apenas as
ruins; não estava entretanto, criando um receptáculo de sentimentos maus, muito
pelo contrário, agradecia e mentalmente depositava aquilo que deveria no
boneco. Por 7 anos foi como um mantra, todos os dias às 23 horas se encontrava
com a pequena forma e nela acrescentava as dificuldades, as dores, as
ansiedades e tudo aquilo que não queria que permanecesse nela – não queria que
essas coisas represassem em si como água parada, que estraga e não segue o
ciclo natural.
***
Ouviu batidas à sua porta, 3 batidas rápidas repetidas 3
vezes. Achou estranha a pressa de quem estava ali, mas se levantou rapidamente
e a abriu com cuidado.
Viu um homem de idade se apoiando em uma madeira nodosa, que
lhe servia de apoio quase como uma bengala; era encurvado, a corcunda não era
tão saliente mas o suficiente para que fosse perceptiva; olhos negros e
serenos, ao fitá-los a jovem pode jurar por instantes estar contemplando o
infinito; suas vestes eram simples em tons de cinza, fazendo com que ela se
lembrasse de aldeões de uma vila próxima.
- Bom dia senhor.
- Bom dia minha jovem, teria por acaso um copo de água para
este velho senhor?
- Sim... entre.
Vagarosamente o velho caminhou para dentro da casa, e sem
convite encostou sua bengala na parede e se sentou à mesa. Um pouco estranhada
pela entrada do homem e a clara indiferença pela falta de convite para sentar-se,
foi até a cozinha e encheu um copo com a água do jarro de barro. Levou até o
velho e então viu um candeeiro sob sua mesa e se indagou de onde ele havia
tirado o objeto.
Enquanto bebia a água, seus olhos permaneciam fixados na
jovem, que começou a mexer as mãos para encontrar uma posição confortável
diante do olhar fixo do velho. Ela não percebeu, mas ele sorria enquanto virava
o copo.
- Gratidão minha jovem, uma moça que mata a sede de um velho
recebe as bênçãos das Deusas.
Ao ouvir a frase a moça estranhou. Havia algum tempo que os
adoradores dos antigos deuses eram perseguidos. Reteve-se em acenar com a
cabeça e desejou que o homem fosse logo embora.
- Você tem se esforçado minha jovem. A sua busca não é em
vão. – Levantou-se, pegou o candeeiro, a bengala e foi para a porta enquanto
ela ficou em silêncio, agora com medo.
- Esteja pronta. – Com um sorriso benevolente, abriu a porta
e partiu.
***
Era madrugada e uma luz de
fogueira entrou repentinamente pela janela da casa. A jovem acordou assustada e
teve medo que os aldeões estivessem à sua porta, prontos para levá-la a
julgamento.
Respirou fundo, vestiu-se
rapidamente e pegou o boneco de estopa e palha colocando no bolso de seu
vestido. Sabia que fugir não era uma alternativa e dirigiu-se à porta em passos
firmes, costas eretas e olhar determinado. Se fosse esse o momento, não iria
morrer gritando ou pedindo clemência de quem não a possuía.
Abriu a porta.
Diante de si viu três mulheres,
uma grávida, uma mais jovem do que ela, uma de idade avançada ao meio das
outras duas. Em frente a elas, um caldeirão grande que fumegava sob uma
fogueira. A bruxa sentia a presença de alguns animais por perto, mas não
conseguia identificar quais eram.
- Seja bem-vinda. – Disseram as
três ao mesmo tempo. Milhares de borboletas saíram do caldeirão e passaram a
voar ao redor das 4 mulheres, criando a sensação de não estarem mais na frente
da casa da bruxa. Maravilhada, ela entendeu o que estava para acontecer.
- Costurado com amor. – Disse a
grávida
- Guardado com carinho. – Disse a
mais jovem
- Depositada toda a dor. – Disse a
mais velha
A bruxa deu alguns passos à
frente e tirou o boneco do bolso – parou diante do caldeirão e o olhou para ele
em suas mãos.
- O que ofereço é tudo o que
tenho. – Ergueu o receptáculo – Ad astra
per áspera.
- Até às estrelas, sob os
espinhos. – Disseram as três.
A bruxa então deixou o boneco
cair no caldeirão; as três mulheres seguraram juntas a colher que mexia o
caldeirão e começaram movimentos circulares, revelando tanto dentro do
caldeirão quanto na fumaça que dele saía, tudo aquilo que a bruxa havia
depositado no receptáculo.
As borboletas passaram a voar em
uma velocidade muito maior e a fumaça cercou a bruxa que passou a sentir
tonturas. Sentiu seu corpo desfalecendo enquanto tentava manter um único
pensamento: “Gratidão Cerridwen”.
***
Acordou em sua cama; ainda que
sentisse um cheiro de fumaça em suas roupas, ainda que não houvesse mais o
receptáculo, ainda que tivesse visto algumas borboletas dentro de sua casa, não
tinha certeza se aquilo foi um sonho. Mas ainda que fosse um sonho, ela sabia
que havia sido real.
Ouviu batidas à sua porta, 3 batidas rápidas repetidas 3
vezes. Achou estranha a pressa de quem estava ali, mas se levantou rapidamente
e a abriu com cuidado.
O velho viu então uma jovem de olhos azuis e com
profundidade tal como o mar e se sentiu enfeitiçado por algum momento; um rosto
firme, expressão sem medo; segurava a porta e estava ali parada bloqueando a
entrada; no alto ao seu lado, uma mariposa estava pousada na lamparina que
balançava levemente ao vento.
- Bom dia senhor.
- Bom dia minha jovem, teria por acaso um copo de água para
este velho senhor?
- Sim. Aguarde aqui.
Ao observar a porta se encostar enquanto esperava, o velho
sorriu pela jovem bruxa.
Ao voltar a mulher trazia um jarro de barro em seus braços.
- Aqui, leve-o caso sinta mais sede.
- Gratidão minha jovem, uma moça que mata a sede de um velho
recebe as bênçãos das Deusas.
- Ubi caritas et amor, Dea ibi est.
O velho lhe deu as costas e deu
alguns passos com seu candeeiro balançado de um lado para o outro.
Olhou para
trás brevemente.
Sorriram um para o outro.


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