terça-feira, 6 de setembro de 2016

A Imperatriz (ou Carta III)

Cetro, escudo, colo.




Era uma vez em uma torre distante, em um reino muito próspero, uma belíssima imperatriz. Sua gentileza era sua espada, seu sorriso o seu escudo. Um dia entretanto, o seu querido Imperador decidiu partir para nunca mais voltar – não queria mais permanecer preso em um castelo enquanto havia um mundo todo a ser explorado, um pássaro não deseja a gaiola.

A Imperatriz então chorou quando o viu subir no corcel e em uma cavalgada rápida entrou na floresta, sem em momento algum olhar para trás.

Pelos próximos dias, sem que ela quisesse ou alguém que os impedisse, cavaleiros de todos os reinos adjacentes vieram cortejá-la. Dezenas deles, que se amontoavam durante o almoço e tentavam desmerecer uns aos outros, gritando e esbravejando conquistas. A Imperatriz ouviu uma das serviçais dizer “parecem pavões agindo como hienas” e então percebeu o quanto aquilo tudo era cansativo e precisava de uma solução – ao menos antes que destruíssem o castelo.

Lembrou-se de uma velha amiga que morava em uma caverna não tão longe. A Imperatriz impediu que ela fosse morta pela fúria dos moradores da vila e então ela lhe devia um favor. Decidiu cobrá-la.
Organizou uma comitiva pequena e colocou-se a subir pelo rochedo até a caverna. O caminho era cheio de pedras, por duas vezes um dos membros perguntou à Imperatriz se era necessário correr esse risco. “Se fosse o Imperador aqui ele não insistiria na pergunta”, medo da segurança de sua senhora, ele lhe disse. Pensou que fosse melhor ignorar.

Ao chegar no fim da subida, uma caverna de entrada estreita que admitia apenas uma pessoa por vez e de cabeça abaixada. Ao olhar de fora para dentro da caverna, via-se um ponto brilhante que se movimentava de um lado para o outro rapidamente. A Imperatriz então tirou o capuz em sinal de respeito e entrou.

- Veja bem, uma ilustre visitante.

Cumprimentou a pequena criatura como as damas faziam.

- Narbe, faz um bom tempo. – Virou-se e pegou um pequeno embrulho das mãos de um dos serviçais. – Um pequeno presente.

A fadinha voou satisfeita e excitada, foi até o embrulho e retirou um minúsculo pedaço de  pano, todo trabalhado em fios finíssimos de ouro e com pedrinhas brilhantes por todos os lados.

- Magnífico! A espera pela sua volta até que não foi em vão não é? – E jogou nos ombros, ao redor do pescoço.

- Venho trazer um pedido minha velha amiga.

- Nada que envolva sangue ou dragões espero...

A Imperatriz sorriu nervosa.

***


Narbe sobrevoou o vilarejo, os que a viram gritaram e correram em desespero. O pânico se instalou nos corações das pessoas e alguns partiram em disparada na direção da floresta. A Imperatriz surgiu no portão do castelo caminhou firme e calmamente até o centro da vila.
Narbe pousou atrás dela e rugiu.

- Não temam população de Somewhere, ela está aqui para nos defender dos usurpadores e mentirosos que desejam o trono.

Aos poucos as pessoas foram se acalmando, enquanto que os bravos cavaleiros saíram do castelo com espadas em punho, alguns em cavalos, outros correndo aos gritos (a maioria corria e gritava, mas na direção oposta ao dragão).

Um rugido maior, o fogo os atingia e então em um suspiro, já não eram ameaça.

***

“Há uma história sobre uma Imperatriz que vive em uma cidade nem tão distante daqui. Dizem que seu coração foi estilhaçado pelo homem que a amava e isso a levou a atrair um grande dragão que passou a amá-la e protege-la. Dizem que o dragão em todo o seu poder destruiu os mais valentes cavaleiros dos reinos ao redor. Havia sangue, fogo e destruição e as pessoas amedrontadas fugiram da cidade e hoje a Imperatriz vive só, com seu dragão como companhia, à espera de um salvador.”

Amarílis ouviu atentamente, enquanto amamentava seu filho. Como não era sempre que um trovador passava por aqueles lados, quando algum chegava tudo acabava em festa e bebedeira. Seu marido não permitia que ela ficasse nas festas que se seguiam, mas ela se impunha e deixava claro que ninguém lhe diria o que fazer e nesse dia era a única em meio aos homens ao ouvir a história.

- Deve ter mais teia de aranha que lá em casa! – Gritou um dos homens e todos riram enquanto o trovador bebericava um pouco mais sem esboçar nenhum sorriso de escárnio.

Ele se levantou para pedir um pouco mais de vinho e Amarílis se aproximou rapidamente, antes que algum bêbado tomasse a atenção novamente do homem.

- É real? Digo, a história é real?

- E se for? – Olhou a mulher de cima a baixo.

- Se for, você disse que as pessoas da vila fugiram e que ele matou apenas os cavaleiros. Ora, ele não é um perigo para ela, não precisa de um salvador.

- Tem razão milady, mas não estava falando de um salvador que matasse o dragão, mas sim que a salvasse dela mesma. – Saiu cambaleando.

Pensou um pouco, cobriu o filho e foi para casa. Esquentou a água para as crianças tomarem banho, aprontou as refeições. Depois que foram dormir fez bolo e pão para que comessem no outro dia. Seu marido entrou cambaleando, caiu dormindo na cama e escorregou para o chão. Deixou tudo pronto e foi deitar.

Ao amanhecer, Amarílis já estava de pé e esperava montada em um cavalo próxima à estrada que levava para uma das cidades grandes próximas. Não tardou para o trovador aparecer preparado para partir da vila.

- Homem, para que lado fica a cidade da Imperatriz?

Ele a olhou de novo de cima a baixo e percebeu que qualquer palavra que dissesse seria rebatida. Imaginou a mulher o seguindo e espalhando-se a fama de que ele era ladrão de esposas. Já não bastava combater a fama de covarde quando fugiu do dragão, não precisava de mais uma – gostava muito dos pãezinhos quentinhos e do vinho e essa mulher que aparentava ser louca não iria tirar isso dele.

- Norte, até a Floresta que Fala. À esquerda, depois acompanhe o rio. – Bateu os calcanhares com força no cavalo e correu dali.

Voltou-se para o norte, iria passar novamente perto de sua casa e talvez parasse para ver se estava tudo bem, depois seguiria viagem. À medida que voltava lentamente para casa foi se sentindo mal pelos seus filhos que ficariam ali com aquele homem semi selvagem, começou a pensar se não era melhor abandonar a ideia de ir embora, suspirou.

Quando avistou sua casa, viu o homem com quem se casara jogar seu filho mais velho para fora da casa, e aos berros perguntava sobre ela, onde estava e acusava o menino de estar protegendo a mãe. Caído no chão, chorando em desespero a criança tentava dizer algo que era abafado pela irmã que gritava desesperada e em meio à confusão, o menino de colo também começou a chorar.

O homem pegou o machado e foi se aproximando do menino, enquanto os vizinhos saíam da casa e observavam a bagunça se instaurando. O homem dizia, mais para as pessoas ao redor do que para a criança, que iria fazer com que ele se tornasse um homem ao invés de ficar protegendo mulheres que não mereciam. Amarílis desceu do cavalo e pegou a espada que era de seu pai e foi correndo na direção dos dois. Aos berros o homem disse:

- Vou te ensinar a não ser uma maricas que fica embaixo da saia da mãe. – Ergueu o machado.

Um grito agudo de dor, e o homem caiu de joelhos no chão, atrás de si o machado caído e próximo à ele, suas duas mãos inertes. Continuava a gritar, mas não se sabia se por dor ou por desespero ao ver o cotoco que dava lugar às mãos.

Rapidamente Amarílis pegou os filhos, algumas roupas e amarrou a carroça ao cavalo: sabia o que estava por vir, os homens da vila iriam matá-la para que servisse de exemplo. Partiram com pressa para o norte.

***

Pararam para descansar na Floresta que fala, acendeu a fogueira depois de muito esforço e deu um pouco de comida para as crianças enquanto pensava de que forma iria conseguir mais.

- Meninos... a mamãe vai descansar um pouco, apenas um pouquinho, fiquem por perto está bem? – Abraçou o menino de colo e fechou os olhos.

Não percebeu quanto tempo havia passado, e se assustou com um rugido alto; um fogo alto que atravessava as árvores a fez olhar na direção que provavelmente o dragão estava e ouviu o grito de sua filha. Correu pelo mato até ela, tomando o devido cuidado para não machucar a criança no colo e a abraçou com força, enquanto encarava o dragão e a provável morte que viria a seguir.

A menina, embora com muito medo e com a cabeça enfiada em meio aos cabelos da mãe, estendeu sua mãozinha com as flores que havia pego pela floresta. E cheiravam tão bem!

Narbe paralisou diante da cena. Não havia nada sobre matar crianças que lhe oferecessem flores no trato feito com a Imperatriz. Bem, então que assim fosse feito.

Voltou para a forma de fada.

- Ahn... perdão, essa doce garotinha me assustou!

Sem entender, Amarílis se surpreendeu com a pequena.

- Vocês precisam de algo?

Tentando se recobrar do susto, a única coisa que conseguiu dizer foi: “Comida.”

Narbe então começou a tagarelar enquanto mostrava um caminho para a família seguir e ao perceber que não estavam logo atrás e pareciam catatônicos, disse com as mãos na cintura: ”Estão ou não com fome?”

O garoto que estava no mato observando veio junto à mãe e aos irmãos e passaram a seguir a fadinha que falava sobre diversas coisas, em tom alegre e radiante. Ouvi-la trazia a mesma sensação de sentir o sol matutino tocar a pele.

Passaram por uma cidade abandonada, e seguiram rua à cima na direção do castelo.

A fada abriu as portas e ali, sentada ao trono, a Imperatriz mantinha-se com um rosto triste. Amarílis fez uma referência que não foi notada, enquanto Narbe dizia algo sobre procurar o que comer.

***

Os dias foram passando, a doçura das crianças foi quebrando a tristeza em que a Imperatriz havia decidido para si. Amarílis cuidou do castelo como pode, mantendo a ordem e limpeza ao menos nos cômodos que mais usavam.

Lentamente a Imperatriz passou a sorrir, enquanto que cada vez menos Narbe ficava na forma de dragão sobrevoando as redondezas.

Se sentia feliz ao ver como a Imperatriz agia perto de Amarílis e foi percebendo que algo estava acontecendo. Sentia uma pontada de felicidade e ao mesmo tempo tristeza... em breve iria partir.

***

“Há uma história sobre uma Imperatriz que vive em uma cidade nem tão distante daqui. Dizem que seu coração foi estilhaçado pelo homem que a amava e isso a levou a atrair um grande dragão que passou a amá-la e protege-la. Dizem que o dragão em todo o seu poder destruiu os mais valentes cavaleiros dos reinos ao redor. Havia sangue, fogo e destruição e as pessoas amedrontadas fugiram da cidade, e por muito tempo a Imperatriz viveu só.

Mas um dia uma mulher chegou com três crianças de grande poder e contra essa família o dragão nada pode. Foi um grande alvoroço quando elas decidiram por um casamento, atraindo para a cidade toda sorte de pessoas que sofriam nas mãos de gente impiedosa. Um grande refúgio para aqueles que precisam”

- E o dragão? – Perguntou um menino enquanto segurava a mão de seu namoradinho.


- Ah sim, o dragão... vive por aí completando algumas histórias mal contadas por uns covardes falastrões.


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