Cetro, escudo, colo.
Era uma vez em uma torre distante, em um reino muito
próspero, uma belíssima imperatriz. Sua gentileza era sua espada, seu sorriso o
seu escudo. Um dia entretanto, o seu querido Imperador decidiu partir para
nunca mais voltar – não queria mais permanecer preso em um castelo enquanto
havia um mundo todo a ser explorado, um pássaro não deseja a gaiola.
A Imperatriz então chorou quando o viu subir no corcel e em
uma cavalgada rápida entrou na floresta, sem em momento algum olhar para trás.
Pelos próximos dias, sem que ela quisesse ou alguém que os
impedisse, cavaleiros de todos os reinos adjacentes vieram cortejá-la. Dezenas
deles, que se amontoavam durante o almoço e tentavam desmerecer uns aos outros,
gritando e esbravejando conquistas. A Imperatriz ouviu uma das serviçais dizer
“parecem pavões agindo como hienas” e
então percebeu o quanto aquilo tudo era cansativo e precisava de uma solução –
ao menos antes que destruíssem o castelo.
Lembrou-se de uma velha amiga que morava em uma caverna não
tão longe. A Imperatriz impediu que ela fosse morta pela fúria dos moradores da
vila e então ela lhe devia um favor. Decidiu cobrá-la.
Organizou uma comitiva pequena e colocou-se a subir pelo
rochedo até a caverna. O caminho era cheio de pedras, por duas vezes um dos membros
perguntou à Imperatriz se era necessário correr esse risco. “Se fosse o Imperador aqui ele não
insistiria na pergunta”, medo da segurança de sua senhora, ele lhe disse.
Pensou que fosse melhor ignorar.
Ao chegar no fim da subida, uma caverna de entrada estreita
que admitia apenas uma pessoa por vez e de cabeça abaixada. Ao olhar de fora
para dentro da caverna, via-se um ponto brilhante que se movimentava de um lado
para o outro rapidamente. A Imperatriz então tirou o capuz em sinal de respeito
e entrou.
- Veja bem, uma ilustre visitante.
Cumprimentou a pequena criatura como as damas faziam.
- Narbe, faz um bom tempo. – Virou-se e pegou um pequeno
embrulho das mãos de um dos serviçais. – Um pequeno presente.
A fadinha voou satisfeita e excitada, foi até o embrulho e
retirou um minúsculo pedaço de pano,
todo trabalhado em fios finíssimos de ouro e com pedrinhas brilhantes por todos
os lados.
- Magnífico! A espera pela sua volta até que não foi em vão
não é? – E jogou nos ombros, ao redor do pescoço.
- Venho trazer um pedido minha velha amiga.
- Nada que envolva sangue ou dragões espero...
A Imperatriz sorriu nervosa.
***
Narbe sobrevoou o vilarejo, os
que a viram gritaram e correram em desespero. O pânico se instalou nos corações
das pessoas e alguns partiram em disparada na direção da floresta. A Imperatriz
surgiu no portão do castelo caminhou firme e calmamente até o centro da vila.
Narbe pousou atrás dela e rugiu.
- Não temam população de
Somewhere, ela está aqui para nos defender dos usurpadores e mentirosos que
desejam o trono.
Aos poucos as pessoas foram se
acalmando, enquanto que os bravos cavaleiros saíram do castelo com espadas em
punho, alguns em cavalos, outros correndo aos gritos (a maioria corria e
gritava, mas na direção oposta ao dragão).
Um rugido maior, o fogo os
atingia e então em um suspiro, já não eram ameaça.
***
“Há uma história sobre uma Imperatriz que vive em uma cidade nem tão
distante daqui. Dizem que seu coração foi estilhaçado pelo homem que a amava e
isso a levou a atrair um grande dragão que passou a amá-la e protege-la. Dizem
que o dragão em todo o seu poder destruiu os mais valentes cavaleiros dos
reinos ao redor. Havia sangue, fogo e destruição e as pessoas amedrontadas
fugiram da cidade e hoje a Imperatriz vive só, com seu dragão como companhia, à
espera de um salvador.”
Amarílis ouviu atentamente,
enquanto amamentava seu filho. Como não era sempre que um trovador passava por
aqueles lados, quando algum chegava tudo acabava em festa e bebedeira. Seu
marido não permitia que ela ficasse nas festas que se seguiam, mas ela se
impunha e deixava claro que ninguém lhe diria o que fazer e nesse dia era a
única em meio aos homens ao ouvir a história.
- Deve ter mais teia de aranha
que lá em casa! – Gritou um dos homens e todos riram enquanto o trovador
bebericava um pouco mais sem esboçar nenhum sorriso de escárnio.
Ele se levantou para pedir um
pouco mais de vinho e Amarílis se aproximou rapidamente, antes que algum bêbado
tomasse a atenção novamente do homem.
- É real? Digo, a história é
real?
- E se for? – Olhou a mulher de
cima a baixo.
- Se for, você disse que as
pessoas da vila fugiram e que ele matou apenas os cavaleiros. Ora, ele não é um
perigo para ela, não precisa de um salvador.
- Tem razão milady, mas não
estava falando de um salvador que matasse o dragão, mas sim que a salvasse dela
mesma. – Saiu cambaleando.
Pensou um pouco, cobriu o filho e
foi para casa. Esquentou a água para as crianças tomarem banho, aprontou as
refeições. Depois que foram dormir fez bolo e pão para que comessem no outro
dia. Seu marido entrou cambaleando, caiu dormindo na cama e escorregou para o
chão. Deixou tudo pronto e foi deitar.
Ao amanhecer, Amarílis já estava
de pé e esperava montada em um cavalo próxima à estrada que levava para uma das
cidades grandes próximas. Não tardou para o trovador aparecer preparado para
partir da vila.
- Homem, para que lado fica a
cidade da Imperatriz?
Ele a olhou de novo de cima a
baixo e percebeu que qualquer palavra que dissesse seria rebatida. Imaginou a
mulher o seguindo e espalhando-se a fama de que ele era ladrão de esposas. Já
não bastava combater a fama de covarde quando fugiu do dragão, não precisava de
mais uma – gostava muito dos pãezinhos quentinhos e do vinho e essa mulher que
aparentava ser louca não iria tirar isso dele.
- Norte, até a Floresta que Fala.
À esquerda, depois acompanhe o rio. – Bateu os calcanhares com força no cavalo
e correu dali.
Voltou-se para o norte, iria
passar novamente perto de sua casa e talvez parasse para ver se estava tudo
bem, depois seguiria viagem. À medida que voltava lentamente para casa foi se
sentindo mal pelos seus filhos que ficariam ali com aquele homem semi selvagem,
começou a pensar se não era melhor abandonar a ideia de ir embora, suspirou.
Quando avistou sua casa, viu o
homem com quem se casara jogar seu filho mais velho para fora da casa, e aos
berros perguntava sobre ela, onde estava e acusava o menino de estar protegendo
a mãe. Caído no chão, chorando em desespero a criança tentava dizer algo que
era abafado pela irmã que gritava desesperada e em meio à confusão, o menino de
colo também começou a chorar.
O homem pegou o machado e foi se
aproximando do menino, enquanto os vizinhos saíam da casa e observavam a
bagunça se instaurando. O homem dizia, mais para as pessoas ao redor do que
para a criança, que iria fazer com que ele se tornasse um homem ao invés de
ficar protegendo mulheres que não mereciam. Amarílis desceu do cavalo e pegou a
espada que era de seu pai e foi correndo na direção dos dois. Aos berros o
homem disse:
- Vou te ensinar a não ser uma
maricas que fica embaixo da saia da mãe. – Ergueu o machado.
Um grito agudo de dor, e o homem
caiu de joelhos no chão, atrás de si o machado caído e próximo à ele, suas duas
mãos inertes. Continuava a gritar, mas não se sabia se por dor ou por desespero
ao ver o cotoco que dava lugar às mãos.
Rapidamente Amarílis pegou os
filhos, algumas roupas e amarrou a carroça ao cavalo: sabia o que estava por
vir, os homens da vila iriam matá-la para que servisse de exemplo. Partiram com
pressa para o norte.
***
Pararam para descansar na
Floresta que fala, acendeu a fogueira depois de muito esforço e deu um pouco de
comida para as crianças enquanto pensava de que forma iria conseguir mais.
- Meninos... a mamãe vai
descansar um pouco, apenas um pouquinho, fiquem por perto está bem? – Abraçou o
menino de colo e fechou os olhos.
Não percebeu quanto tempo havia
passado, e se assustou com um rugido alto; um fogo alto que atravessava as
árvores a fez olhar na direção que provavelmente o dragão estava e ouviu o
grito de sua filha. Correu pelo mato até ela, tomando o devido cuidado para não
machucar a criança no colo e a abraçou com força, enquanto encarava o dragão e
a provável morte que viria a seguir.
A menina, embora com muito medo e
com a cabeça enfiada em meio aos cabelos da mãe, estendeu sua mãozinha com as
flores que havia pego pela floresta. E cheiravam tão bem!
Narbe paralisou diante da cena.
Não havia nada sobre matar crianças que lhe oferecessem flores no trato feito
com a Imperatriz. Bem, então que assim fosse feito.
Voltou para a forma de fada.
- Ahn... perdão, essa doce
garotinha me assustou!
Sem entender, Amarílis se
surpreendeu com a pequena.
- Vocês precisam de algo?
Tentando se recobrar do susto, a
única coisa que conseguiu dizer foi: “Comida.”
Narbe então começou a tagarelar
enquanto mostrava um caminho para a família seguir e ao perceber que não
estavam logo atrás e pareciam catatônicos, disse com as mãos na cintura: ”Estão ou não com fome?”
O garoto que estava no mato observando
veio junto à mãe e aos irmãos e passaram a seguir a fadinha que falava sobre
diversas coisas, em tom alegre e radiante. Ouvi-la trazia a mesma sensação de
sentir o sol matutino tocar a pele.
Passaram por uma cidade
abandonada, e seguiram rua à cima na direção do castelo.
A fada abriu as portas e ali,
sentada ao trono, a Imperatriz mantinha-se com um rosto triste. Amarílis fez
uma referência que não foi notada, enquanto Narbe dizia algo sobre procurar o
que comer.
***
Os dias foram passando, a doçura das
crianças foi quebrando a tristeza em que a Imperatriz havia decidido para si.
Amarílis cuidou do castelo como pode, mantendo a ordem e limpeza ao menos nos
cômodos que mais usavam.
Lentamente a Imperatriz passou a
sorrir, enquanto que cada vez menos Narbe ficava na forma de dragão sobrevoando
as redondezas.
Se sentia feliz ao ver como a
Imperatriz agia perto de Amarílis e foi percebendo que algo estava acontecendo.
Sentia uma pontada de felicidade e ao mesmo tempo tristeza... em breve iria
partir.
***
“Há uma história sobre uma Imperatriz que vive em uma cidade nem tão
distante daqui. Dizem que seu coração foi estilhaçado pelo homem que a amava e
isso a levou a atrair um grande dragão que passou a amá-la e protege-la. Dizem
que o dragão em todo o seu poder destruiu os mais valentes cavaleiros dos
reinos ao redor. Havia sangue, fogo e destruição e as pessoas amedrontadas
fugiram da cidade, e por muito tempo a Imperatriz viveu só.
Mas um dia uma mulher chegou com três crianças de grande poder e contra
essa família o dragão nada pode. Foi um grande alvoroço quando elas decidiram
por um casamento, atraindo para a cidade toda sorte de pessoas que sofriam nas
mãos de gente impiedosa. Um grande refúgio para aqueles que precisam”
- E o dragão? – Perguntou um
menino enquanto segurava a mão de seu namoradinho.
- Ah sim, o dragão... vive por aí
completando algumas histórias mal contadas por uns covardes falastrões.


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