segunda-feira, 19 de setembro de 2016

O Enforcado (ou Carta XII)


"O mundo está ao contrário e ninguém reparou"
Relicário, Nando Reis






Apertou a tecla. Uma, duas, três vezes. Respirou fundo e tentou pensar se havia alguma forma de arrumar. “Deve ter”, pensou. Desmontou o teclado, tirou o cabo que ligava ao notebook. Assoprou, cutucou a tecla com um palito de dente. Percebeu um grampo de cabelo caído no chão, ao lado do sofá – não havia mulheres na casa e um grampo de cabelo ali era bem estranho, mas quem sabe pudesse servir para alguma coisa. Usou o grampo e voltou a cutucar.

Nada.

Decidiu que não iria desanimar, tentou limpar mais um pouco e soltou uma borrachinha que havia logo abaixo da tecla, tentou limpar mais um pouco. Assoprou e percebeu um pelo branco (provavelmente do seu gato), tirou ele dali com certa dificuldade e ligou o teclado novamente e foi pegar um copo de água enquanto a máquina reiniciava. Não funcionou. Apertou mais algumas vezes a tecla, tentou fazer a letra sair, sem sucesso algum.

 “A letra ‘d’”, pensou, “’d’ de desespero”, sorriu ao pensar isso. Lembrou-se de uma conversa mais cedo: “Desafio” seu amigo havia lhe dito mais cedo em uma conversa sobre o tarot, especificamente a carta Enforcado. Sorriu ao pensar nisso. Já havia tentado escrever sobre ele... embora tivesse uma certa dificuldade. Entender como ele funcionava e de que maneira poderia ser positivo o havia impulsionado em uma pesquisa pela internet, mas era complicado entender toda a sua nuance lendo as interpretações que outras pessoas davam.

Exceto talvez pelo desafio. Talvez fosse a melhor definição.

Colocou o notebook de volta no lugar, deitou-se no sofá e escolheu alguma música lenta em seu celular (o que particularmente não era difícil de encontrar). Respirou fundo e imaginou o Enforcado em sua frente, pendurado em uma árvore com uma leve brisa a balançar seus ondulados cabelos. Olhou para ele e tentou decifrar o que poderia lhe entregar de mensagem, mas tudo o que sentia era a sensação de prisão. Ainda na imaginação, sentou-se na grama e ficou a contemplar, até que percebeu a auréola ao redor da cabeça dele, o rosto sereno e os olhos fechados, enquanto permanecia imóvel. O mundo para ele estava de cabeça para baixo, mas o sangue do seu corpo não descia para a cabeça e não havia desespero para sair da posição. Calmaria.

O mundo de cabeça para baixo e calmaria.

   ificul  a  e.

   esespero.

   esafio.


   epen  ura  o.



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