"O mundo está ao contrário e ninguém reparou"
Relicário, Nando Reis
Apertou a tecla. Uma, duas, três
vezes. Respirou fundo e tentou pensar se havia alguma forma de arrumar. “Deve ter”, pensou. Desmontou o teclado,
tirou o cabo que ligava ao notebook. Assoprou, cutucou a tecla com um palito de
dente. Percebeu um grampo de cabelo caído no chão, ao lado do sofá – não havia
mulheres na casa e um grampo de cabelo ali era bem estranho, mas quem sabe
pudesse servir para alguma coisa. Usou o grampo e voltou a cutucar.
Nada.
Decidiu que não iria desanimar,
tentou limpar mais um pouco e soltou uma borrachinha que havia logo abaixo da
tecla, tentou limpar mais um pouco. Assoprou e percebeu um pelo branco
(provavelmente do seu gato), tirou ele dali com certa dificuldade e ligou o
teclado novamente e foi pegar um copo de água enquanto a máquina reiniciava.
Não funcionou. Apertou mais algumas vezes a tecla, tentou fazer a letra sair,
sem sucesso algum.
“A letra ‘d’”, pensou, “’d’ de desespero”, sorriu ao pensar
isso. Lembrou-se de uma conversa mais cedo: “Desafio”
seu amigo havia lhe dito mais cedo em uma conversa sobre o tarot,
especificamente a carta Enforcado. Sorriu ao pensar nisso. Já havia tentado
escrever sobre ele... embora tivesse uma certa dificuldade. Entender como ele
funcionava e de que maneira poderia ser positivo o havia impulsionado em uma
pesquisa pela internet, mas era complicado entender toda a sua nuance lendo as
interpretações que outras pessoas davam.
Exceto talvez pelo desafio.
Talvez fosse a melhor definição.
Colocou o notebook de volta no
lugar, deitou-se no sofá e escolheu alguma música lenta em seu celular (o que
particularmente não era difícil de encontrar). Respirou fundo e imaginou o
Enforcado em sua frente, pendurado em uma árvore com uma leve brisa a balançar
seus ondulados cabelos. Olhou para ele e tentou decifrar o que poderia lhe
entregar de mensagem, mas tudo o que sentia era a sensação de prisão. Ainda na
imaginação, sentou-se na grama e ficou a contemplar, até que percebeu a auréola
ao redor da cabeça dele, o rosto sereno e os olhos fechados, enquanto permanecia
imóvel. O mundo para ele estava de cabeça para baixo, mas o sangue do seu corpo
não descia para a cabeça e não havia desespero para sair da posição. Calmaria.
O mundo de cabeça para baixo e
calmaria.
ificul a e.
esespero.
esafio.
epen ura o.

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