Levou o cigarro à boca para mais uma tragada. Olhava para o
sol que lentamente se despedia de um dia de céu azul e sorria com os olhos
diante da cena que esquentava a alma.
Dominar a si mesmo.
Refletiu por uns instantes sobre como o último ano o havia
afetado e como se portava em vistas do início do novo caminho que se aproximava
dele. Não havia sinais das mudanças que ocorreriam, mas em seu âmago a certeza
era cada vez mais clara: chegara ao fim de mais um período (particularmente)
adverso.
Desta vez, contudo, em meio às quedas e às dificuldades e
obstáculos que se erguiam como muralhas de espinhos, sem passagem, sem
escalada, apenas as dores do toque de agulha que as protuberâncias de metal a se
projetarem diretamente para a pele, lembrou-se então daquilo que marcara em si
mesmo – ad astra per aspera. E
percebeu como havia passado pelo muro e como, de lá de cima do balão, ele
parecia pequeno e inofensivo.
Mais um trago e soltou a fumaça observando como adquiriam
contornos e formas, dissipando-se no ar.
***
“Quando o carnaval
passar, quando o carnaval passar
Vamos dançar
Qualquer coisa é
melhor que tristeza
Por favor
Se esqueça”
Levou a garrafa à boca e sentiu o gosto da vodka tocar suas
papilas gustativas se estremecendo e então engoliu o líquido rapidamente.
Sentia uma leve dormência em seus sentidos e uma letargia em seus pensamentos,
mas fisicamente estava cada vez disposto.
Lembrou-se novamente de um velho amigo a dizer “as pessoas vão para se divertir, mas o
lugar é tão ruim que só se divertem quando estão bêbadas, então saem para beber
para se divertir. Imagine um lugar tão ruim que você não consegue estar ali se
estiver sóbrio – então por que as pessoas vão até lá?”. De alguma forma era
essa a sensação, mas por algum motivo a bebida naquele momento parecia ser
apenas um toque a mais. Talvez pela senhora de 84 anos a se divertir com os
indicadores apontados para cima e uma dancinha leve, ou talvez pelas crianças
que brincavam ao seu redor jogando espumas por todos os lados, ou talvez pelas
famílias que estavam ali e não se importavam de dividir o mesmo local com o
morador de rua (que tantas vezes era ignorado e invisibilizado) que dançava
quase no mesmo passo que a senhorinha e com a disposição das crianças – talvez esse
conjunto e a disposição de todos ali para brincar e se divertir o fizessem se
sentir à vontade, como não se sentia em qualquer espaço.
Não pensou em nada, se esqueceu dos problemas, dos
questionamentos, das incertezas e até certo ponto, dos sentimentos. Um piloto
automático que toma o controle mas não impede risos e diversões.
Viu-se por instantes,
em meio à tantas pessoas diferentes entre si, como um abençoado, na situação em
que a água benta que batiza a criança, estava na garrafa com forte gosto
alcoólico.
“Vou criar um lugar
escondido
Pra fazer meu recital
Quando o carnaval
passar, quando o carnaval passar
Quando esse escarcéu
passar”
***
- Ele parece que te faz bem.
Essas palavras lhe socaram a boca do estômago, mas deveria
ser assim, deveria deixar ir.
No fim não era tão diferente das outras histórias – sempre que
se apaixonava antes, as coisas não evoluíam, como um golpe do
destino, e mesmo as tentativas de fazer coisas interessantes e de
fazer o outro sorrir ou se sentir feliz eram em vão, então o melhor era sempre
permitir ir. Tirar do coração.
Mas algo diferente aconteceu, sua frustração diante da
repetida situação já não o afetava tanto quanto outrora.
“Você escreveu todas
essas coisas para as quais dizer adeus. Mas há tantas coisas boas. Por que não
dizer adeus às coisas ruins? Diga adeus a todas as vezes que se sentiu perdido.
Aos momentos que houve um não ao invés de um sim. Aos arranhados e machucados,
à toda mágoa. Diga adeus a tudo o que você quer fazer pela última vez”
E foi então que disse adeus a todas as vezes que assistia o
seu desejo acontecer com outras pessoas.
Disse adeus ao abandono.
Disse adeus para todos os momentos que se sentia sozinho e
não tinha com quem compartilhar seus momentos de felicidade.
Disse adeus para aquele novembro que lhe tirou o chão.
Disse adeus à solidão que sentia quando esperou por horas
que algum familiar chegasse ao hospital.
Disse adeus para todas as vezes que nenhuma pessoa ao seu
redor demonstrava interesse em comemorar seu aniversário.
Disse adeus para quando apenas sua mãe esteve presente na
sua colação de grau.
Disse adeus para as pessoas que o procuravam tempos depois
de términos e separações para lhe dizer o quanto havia sido importante, mas não
valorizado.
Disse adeus para todas as vezes que alguém não acreditou em
sua capacidade ou que o desmereceu.
Disse adeus para toda forma de dor, desencorajamento,
mágoas, todos os nãos, as mentiras a seu respeito e toda tentativa de fazê-lo
menor do que era.
Disse adeus para todos os que se aproximavam sem nada a
oferecer, e muito a subtrair.
Disse adeus para todas as vezes que se relacionou por
necessidade e carência.
Disse adeus para tudo e para todos que o achavam menor,
fraco.
Pois não era.


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