sexta-feira, 12 de maio de 2017

Oração nº 5 e 6 - Ao Cavaleiro de Copas e ao Rei de Copas

Atravessei uma terra vazia
Eu conhecia o caminho como a palma da minha mão
Eu senti a terra sob meus pés
Sentei-me junto ao rio e ele me completou

Oh! Coisa simples, aonde você foi?
Eu estou ficando cansado e preciso de alguém em quem confiar

Me deparei com uma árvore caída
Eu senti os galhos dela olhando para mim
É este o lugar que costumávamos amar?
É este o lugar com que tenho sonhado?

Oh! Coisa simples, aonde você foi?
Eu estou ficando velho e preciso de algo em que confiar

E se você tiver um minuto por que nós não vamos
Falar sobre isso num lugar que só nós conhecemos?
Isso poderia ser o final de tudo
Então por que nós não vamos
Para algum lugar que só nós conhecemos?
Algum lugar que só nós conhecemos

Oh! Coisa simples, aonde você foi?
Eu estou ficando velho e preciso de alguém em quem confiar
Então me diga quando você vai me deixar entrar
Eu estou ficando cansado e preciso de algum lugar para começar

E se você tiver um minuto, por que nós não vamos
Falar sobre isso num lugar que só nós conhecemos?
Porque isso poderia ser o final de tudo
Então por que nós não vamos
Para algum lugar que só nós conhecemos?
Algum lugar que só nós conhecemos






Pegou o candeeiro da bolsa para iluminar a caverna onde havia entrado e o acendeu com cuidado. Pelas paredes desenhos que pareciam ser feitos por uma criança – e cobriam toda a extensão da caverna. Pareciam representar momentos de duas pessoas, sempre nas cores azul e vermelha e em alguns momentos da história contada podia-se ver outras figuras desenhadas com uma cor preta e estas lembravam sombras, fosse pela posição em que estavam, seja pela forma como interagiam com os dois. De maneira geral pareciam felizes um com o outro, sempre juntos e em alguns momentos de mãos dadas.

A luz que saía do candeeiro e iluminava a parede mantinha um foco sempre para frente, mas sem que o homem se virasse, a luz foi lentamente deslocando-se para esquerda e focalizou na parede que estava atrás dele. E os desenhos ali já não eram tão felizes, pareciam tentar transmitir momentos de solidão dos dois, afastamento, lágrimas.

A luz continuou sua evolução para a esquerda, até que iluminou um garoto de pele branca e cabelos lisos.

- Oi – ele disse.

***

- Então esses desenhos são sobre vocês dois e o que viveram aqui.

- Sim. – Disse com uma certa mágoa na voz.

- E onde ele está agora?

- Aqui – Apontou para o coração.

Caminharam para dentro da caverna até encontrar uma pedra que lembrava um banco e sentaram-se.
- Sinto falta dele.

- Ele deve sentir a sua falta também.

- Acho que não, ele decidiu sumir.

- Talvez ele precisasse. – E o garoto fez sinal que sim e não disse nada. – Vocês brigaram?

- Mais ou menos.

- Por que não foi atrás dele?

- Eu estava ocupado demais brincando.

Olhou ao redor e não viu nenhum objeto que pudesse ser usado como brinquedo.

- Brincando com o que?

- Com as sombras.

Seguiu-se um longo silêncio.

- Quer que te ajude a encontra-lo?

- Pra isso vou ter que sair daqui.

- Então vamos sair, eu te levo.

- Ele me disse isso também.

- E por que você não foi?

- Por que quis ficar aqui, é o que conheço, é o que construí para mim. Não sei o que há lá fora.

- Por isso ele foi embora? Por você não querer ir com ele?

- Não.

- Foi por qual motivo então?

- Ele ficou aqui tempo demais, esperou tempo demais...

- E por que ele ficou aqui com você?

- Eu dizia que queria sair da caverna...

- Mas você não queria?

- Não.

- E ele acreditou em você?

- Sim.

- E quando ele percebeu que você não tinha a intenção de sair?

- Todas as vezes que eu deixava as coisas acontecerem, todas as vezes que ele me pegava pela mão... eu corria.

- Para onde?

- Para as sombras, ficava brincando com elas.

- E ele?

- Ele chamava meu nome no meio do escuro, me procurava tateando por aí.

- E você não foi ao encontro dele quando ele te chamava?

- Não.

- Por que?

- Tenho limitações, restrições... e as sombras estavam comigo.

- As sombras te faziam feliz?

- Não. Mas era o que eu conhecia.

- E você não preferia conhecer ele?

- Não sei dizer... mas ele foi se mostrando aos poucos e mesmo sem saber fui conhecendo.

- E ele foi te conhecendo também?

- Sim.

- Por que ficar com as sombras ao invés dele então?

- Ele queria muitas coisas e eu tive medo.

- Que coisas?

- Ir lá para fora.

- E valeu a pena?

- Ter conhecido ele?

- Ter preferido as sombras?

O garoto se levantou e olhou ao redor, enquanto o foco da lanterna fez uma nova evolução, mostrando as duas paredes. As alegrias, as brincadeiras, as besteiras, os abraços, os toques, a presença; as lágrimas, as mágoas, o abandono, as dores.

- Não sei dizer.

- Você sente a falta dele?

- Muito.

- O suficiente?

- Sim.

Então o homem se levantou.

- Te levo a ele.

- Não posso.

- Por qual motivo?

- Vai ser diferente de tudo o que eu conheço e não sei o que vou fazer.

- Diferente de que forma?

- Ele me ama.

Essa frase parecia causar grande confusão ao garoto.

- E você?

- Não sei.

- Não sabe se o ama?

- Não sei o que significa amor.

O homem sorriu bondoso, passou a mão na cabeça do garoto.

- Amar significa muitas coisas, inclusive se doar. Uma vez, em um deserto distante daqui, eu conheci um garoto de cabelos loiros e ele também não sabia o que significava amar. Deixou sua rosa para trás e viajou por muitos lugares para tentar descobrir o que significava e encontrou uma raposa que o ensinou coisas muito importantes sobre isso.

- O que ela ensinou?

- Que nós temos responsabilidade com aqueles que nos amam.

- Mas eu não quero, eu tenho minhas limitações e minhas restrições. Outras pessoas passaram por aqui, elas me empurraram para dentro da caverna e fecharam a entrada. Não posso sair.

- A saída está aberta, eu entrei por lá.

- Mas não posso deixar minhas sombras para trás, elas são importantes. Me ocupam durante todo o dia e às vezes me afagam se oferecendo a mim.

- Então você está bem sem ele?

- Não. Quero ele aqui comigo.

- E por que ele não está aqui?

- Por que aqui não é o lugar dele. O lugar dele é lá fora embaixo do luar e eu sei que nada irá impedi-lo de ficar no lugar que é dele.

- E aqui é o seu lugar?

- Não sei. Deve ser. Fiz daqui o meu lugar. – Escorreu uma lágrima.

- O que você realmente quer?

- Que ele me tire daqui.

- Vamos tentar uma coisa?

- Não sei. Não sei se posso confiar em você.

O homem ergueu o candeeiro na altura do próprio rosto.

- Prometo que você terá o que precisa. Mas não prometo que conseguirá o que deseja.

O garoto olhou ao redor, para todas as sombras que se formavam em volta de si e com um sussurro elas diziam o quanto ele deveria ficar ali, o quanto eles tiveram momentos especiais e o quanto elas estavam com ele e se embrenhavam nele e eram ele. O candeeiro emitiu uma luz forte que as dissipou instantaneamente – afinal, elas tinham a importância que o menino lhes dava – olhou para o homem e com uma expressão de medo, quase terror.

- Depende de você.

- E se tudo der errado?

- Te trago de volta.

- Promete?

- Sim.

***



Tirou as vendas dos olhos e encontrou seu maior terror: o mundo do lado de fora da caverna. A floresta ao redor e todos os barulhos e tudo aquilo que ele não conhecia e que poderia saltar para fora da mata e pegá-lo. Virou-se para abraçar as pernas do homem e quando olhou para o rosto dele e pronto para pedir para retornar, viu o céu estrelado e a lua cheia que brilhava com força. Soltou devagar o homem e ficou encantado com tantos pontos brilhantes em um véu negro que se estendia além dos limites, das restrições. O infinito era realmente imenso, assim como a escuridão também é, mas ao contrário desta o céu não prende e não sufoca. Era lindo e maravilhoso. Deu as costas para o homem enquanto olhava para a lua.

- Oi – Disse o outro garoto, que segurava o candeeiro e estava ali no mesmo lugar que o homem.


- Você...




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