Brilha brilha farolzinho
Mostra o que vem à frente
Acende o vermelho para o que está atrás
Passe a lombada,
Desvie do buraco,
Vamos em frente meu amor.
***
Construíram uma estátua em homenagem aos dois. Estavam com
mãos dadas como se fossem girar, aos pés dois gatos: um preto e branco e outro
amarelo e branco. Mas olhando dali eram cinzas, os quatro. Cores que fazem toda
diferença, ainda mais quando você prefere o mundo bem mais colorido, sem tons
pastéis e essas cores meio apagadas. Tons vivos, de vermelho sangue, azul céu
(sem nuvens), amarelo ouro, verde grama após a chuva (sabe quando sai o sol
logo após uma pancada feia de chuva? Sabe a grama? Essa cor).
Todos os dias a população passava por ali, não olhavam os
pombos a pousar e sujar a estátua. Não viam as cores que ela sempre teve, não
percebiam as cores do amor dos dois.
Não sabiam da música que um dia poderiam gostar, não
sabiam da comida predileta que poderiam fazer um para o outro, não sabiam do
amor que poderiam ter com os gatos, não sabiam de nenhuma penteadeira, não
sabiam de nada. Talvez nem se importassem. Não tem como você se importar com
aquilo que você não conhece e eles... bem... aquelas pessoas nem se importavam
em conhecer.
Mas não fazia tanta diferença assim, saberem ou não saberem.
Exceto talvez nos dias que aquela pessoa aparecia na praça
segurando um buquê de rosas vermelhas e as colocava sob o pé da estátua. Era
meio estranho e todos olhavam enquanto caminhavam rapidamente para não perderem
tempo, sem saber exatamente, que quanto mais rápido caminhavam e pelo motivo
que caminhavam, mais tempo perdiam. Mas como dizem, tempo é dinheiro. E se
envolvem dinheiro no meio... o resto você já sabe.
Mas um dia a estátua demonstrou sinais de que já não
aguentaria ficar ali por muito tempo. Já haviam roubado o gato branco e amarelo
(me desculpe o deslize, por favor leia as últimas duas cores como sendo: cinza), a cabeça de um deles tinha
despencado em algum momento (e as pessoas apressadas com seus inadiáveis
compromissos não saberiam dizer em qual momento foi) e a outra cabeça estava
tão deformada, que já nem poderia refletir a beleza que teve quando era mais...
qual a palavra para uma estátua jovem? Nova?
E o homem que ali depositava rosas também deixou de
aparecer. Estaria tão preocupado com seus afazeres que não retornava mais ao
local? Talvez. Não se tem muita certeza quando ninguém percebe nada, ainda mais
aquelas pessoas tão apressadas e tão cercadas de problemas a resolver. O Pequeno Príncipe teria questionado por
que elas estavam tão apressadas que não olhavam e não cuidavam de uma estátua
com uma representação tão bonita.
Mas ele nem ele e nem a atenção das pessoas estava ali.
***
Fechou o livro sem gostar muito
daquele final. Preferia histórias felizes, não histórias nas quais as coisas
nem ao menos acontecem, era expectativa demais para se terminar com duas
estátuas. O que o autor estava querendo com isso? Que coisa mais chata,
desnecessária.
Foi colocar o livro no criado
mudo ao lado da cama e sem querer o deixou cair. Quicou no chão e caiu com as
últimas páginas abertas e escrito em letras grandes, estava ali “Epílogo”. Pegou o livro novamente e foi
direto para as três últimas páginas e percebeu que o livro não se encerrava
como parecia. Quer dizer, se encerrava
ali aquela história. Ficou contente em saber que teria mais, ainda que uma
história diferente julgando pela forma como o epílogo estava escrito, teve
esperanças que haveria um final menos xoxo. Correria na livraria pela manhã e
tentaria encontrar a continuação, sorriu com a esperança de se ter uma nova e
mais empolgante história, ou pelo menos com o mesmo ritmo que o livro que
acabou de ler, mas com um final digno de filmes hollywoodianos. Não estátuas
paradas no tempo. O que o autor tinha na
cabeça?
Pela manhã resolveu esperar no
café do outro lado da rua onde estava a livraria. Deixou que abrissem enquanto
bebericava a xícara e observou uma garota de cabelo castanhos escuros e roupas
de ginástica olhando as vitrines da loja, obviamente em busca de algo que
quisesse ler. Ou dar de presente a alguém. Será que tinha namorado? Decidiu
pagar a conta e quando saiu do café ela já não estava mais à vista.
Ao entrar na livraria foi direto
para o atendente e perguntou sobre o livro que era continuação do anterior e em
um lapso, se esqueceu do nome dos dois livros – do velho e do novo. Enquanto
abria sua bolsa estilo carteiro em busca do livro antigo, a garota surgiu do
meio das estantes agradecendo a outro atendente e com o livro que ele desejava
nas mãos, foi para o caixa.
- Aquele livro, estou procurando
por ele.
- Ah sim, tivemos uma boa venda ...
é o último exemplar. Há previsão de chegada de mais exemplares em duas semanas.
Sem pensar muito e decidido a
contornar a situação, o rapaz foi até a moça que estava quase na boca do caixa.
- Quanto você quer no livro?
- Não está à venda. – Um sorriso
sem graça.
- Realmente quero muito esse
livro... – Fez cara de cachorro que cai da mudança. Ela riu e achou ele bem
esquisito. Esquisito demais, afinal
por que não procurava em outra livraria? Mas aquilo era bem diferente, uma
situação única. Talvez se conhecesse ele melhor teria ótimas histórias para
contar aos amigos. O cara que queria a todo custo um livro. Que viagem.
- Claro que não – Riu da
inocência dele – Estou brincando!
- Pagar metade, pegar seu número
e marcar um café. – Disse desconfiado. Ela era meio estranha e essa proposta
mais ainda.
- E depois de você ler, você doa
para alguma biblioteca. Os dois pagam metade ninguém fica com ele. Me parece
justo. – Estendeu a mão para ele.
- Aceito!
***
“O que está achando do livro?” – Tomou coragem para mandar uma
mensagem.
”Mais ou menos, prefiro mais aventura, fantasia”
“Como assim?”
“Gosto de livros que contam histórias com lugares distantes, feitiços,
um príncipe disfarçado”
“Já ouvi algo assim”
“Talvez hahahahaha”
“Parece uma história que já existe”
“É sim, a parte mais bonita é quando se encontram no jardim, é um
príncipe encantado e ela só descobre quem ele é quase no fim”
“Príncipes encantados. Você anda vendo muito Disney”
“Você que anda vendo de menos rs.”
“Talvez hahahahahaha”
“Bom, acabei ele hoje de tarde, um café amanhã pela manhã, em frente à
livraria”
“Um café por favor!”
“Bem quente!”
***
Após o café e uma conversa extremamente
agradável, passaram pelo lugar favorito dos dois: a livraria, é claro. Por entre
as estantes ela falava sobre os livros que havia lido e ele tentava dizer algo
inteligente vez ou outra e ficou tranquilo ao ver que ela estava perdida por entre
todos os livros que estava indicando para ele.
- Cidades de Papel. Não leia!
- Nossa, que ênfase. Motivo?
- Não tem um final lá muito
feliz. Livros sem finais felizes deveriam ser banidos do mundo.
- Eu gosto de livros sem finais
tão felizes assim, mostra o que a gente quer realmente. Tipo você, que não quer
o que acontece naquele livro.
- Precisamos de finais nem tão
felizes para saber quais são os felizes?
- Acho que sim.
- Então leia o livro – O pegou da
prateleira e deu nas mãos dele.
- Hum... acho que não - E
devolveu.
- Vamos? – Olhava as coisas ao
redor com certa vivacidade, como se estivesse perto de embarcar em algo novo e
muito excitante. Saiu da livraria.
Ele apressou o passo, sem ter
muita certeza se conseguiria acompanhar aquela garota.
Mas...
No fundo...
Ele sabia que tentaria.
Ou melhor, conseguiria.





