quinta-feira, 13 de outubro de 2016

O Eremita (Ou Carta IX)

Subiu a montanha sentindo os flocos de neve caindo levemente no seu rosto. Era primavera, mas tão perto do pico da montanha, sempre havia neve. Quase um lembrete não escrito a respeito da necessidade de se retirar e refletir. Estava para se encontrar com um velho conhecido que de tempos em tempos surge para lhe dar a mão, balançar sua lanterna de um lado para o outro e em alguns momentos, lhe emprestar o cajado.

Para a árdua tarefa que era subir a montanha caminhando pelas trilhas íngremes, jogou sobre si um manto que não permitia o frio lhe cortar a pele; pegou um galho de árvore para que servisse de apoio enquanto subia; botas de pelo de carneiro para ter certeza que os pés não ficassem dormentes. Preparação é sempre a palavra chave quando se tratava em se encontrar com o velho.

À medida que subia lamentou-se por ter de fazer isso justo agora, quando preferia os jardins floridos e o sol quente do vale. “Deve ter algum motivo muito especial para esse encontro”, pensou. Um passo em falso e quase caiu no desfiladeiro, mas por sorte carregava um livro grande e pesado às costas, que lhe fez contrapeso e assim desabou sentado na trilha. Usou o galho como apoio e se levantou. Ainda caminharia mais um pouco e passos em falso fazem parte da situação quando se pretende chegar em algum lugar.

Fez a última curva aliviado e encontrou a caverna do velho, onde viu a luz de uma fogueira lambendo as paredes rochosas. Entrou e ali viu seu velho amigo sentado segurando uma vara com algum tipo de fruto na ponta, sob o fogo.

- Como tem passado? – Lhe perguntou o homem sem levantar os olhos, mas sorrindo daquele jeito banguela que irradia uma felicidade contagiante, e fez com que o rapaz não se lamentasse mais por estar no alto de uma montanha gelada, enquanto as flores desabrocham no vale.

- Bem, apesar de alguns obstáculos. – Lhe respondeu enquanto tirava o manto úmido das costas.

- Temperança, Sacerdotisa hein?

- Ah... bem, sim. E ainda ganhei um livro!

- Ganhou. Mas sempre foi seu. Mas é esse o sentimento quando não sabemos que temos algo e de repente, plim, aparece.

Aproximou as mãos do fogo para se aquecer, enquanto o velho tirava a vara com o fruto do fogo.

- Recebeu meu chamado a contragosto não é?

- Caminhamos tanto tempo lado a lado que ás vezes sinto saudade, mas você sabe, o caminho do Eremita é entender que tudo é aprendizado.

- Você parece ter entendido muito bem.

- Venho me esforçando para isso.

O velho sorriu banguela. Era verdade que o rapaz sempre se esforçava para entender as situações pelas quais ele próprio passava, mesmo que inicialmente tudo fosse confuso, sabia muito bem que era questão de tempo e de se distanciar da questão para conseguir vislumbrar o todo e assim galgar pouco a pouco o crescimento.

- Não há muito o que eu possa fazer por você agora.

- O que quer dizer?

- Estamos nos despedindo.

- Você não pode me deixar... quero dizer... preciso me encontrar com você de tempos em tempos, conversar e tentar entender as coisas.

O velho se levantou e foi para o fundo da caverna, onde acendeu o que parecia ser um candeeiro e quando virou-se, o rapaz viu um homem alto, de barba longa e branca, com um manto que parecia ser um céu estrelado que se expandia por todo o fundo da caverna, na sua mão direita um cajado de carvalho entalhado com imagens de azevinho.

Um vento gelado soprou pela entrada da caverna, fazendo a fogueira quase se apagar e assim que ela se restabeleceu o rapaz viu o homem banguela na sua frente novamente.

- Para você. – Lhe estendeu o candeeiro feito de prata. – A partir de agora você pode encontrar seu próprio caminho sem que exista minha influência. Quando precisar, feche os olhos e mantenha a mente calma, focada nas estrelas e na luz que há em você. Estaremos juntos de qualquer forma, mas é tempo de saber que você é também seu próprio Eremita.

Agradeceu sem saber o que falar.

- Agora parta.

O rapaz se levantou e foi para a saída da caverna, com a certeza de que aquele momento não era um adeus, mas um até logo.


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