Subiu a montanha sentindo os flocos de neve caindo levemente
no seu rosto. Era primavera, mas tão perto do pico da montanha, sempre havia
neve. Quase um lembrete não escrito a respeito da necessidade de se retirar e
refletir. Estava para se encontrar com um velho conhecido que de tempos em
tempos surge para lhe dar a mão, balançar sua lanterna de um lado para o outro
e em alguns momentos, lhe emprestar o cajado.
Para a árdua tarefa que era subir a montanha caminhando
pelas trilhas íngremes, jogou sobre si um manto que não permitia o frio lhe
cortar a pele; pegou um galho de árvore para que servisse de apoio enquanto
subia; botas de pelo de carneiro para ter certeza que os pés não ficassem
dormentes. Preparação é sempre a palavra chave quando se tratava em se
encontrar com o velho.
À medida que subia lamentou-se por ter de fazer isso justo
agora, quando preferia os jardins floridos e o sol quente do vale. “Deve ter algum motivo muito especial para
esse encontro”, pensou. Um passo em falso e quase caiu no desfiladeiro, mas
por sorte carregava um livro grande e pesado às costas, que lhe fez contrapeso
e assim desabou sentado na trilha. Usou o galho como apoio e se levantou. Ainda
caminharia mais um pouco e passos em falso fazem parte da situação quando se
pretende chegar em algum lugar.
Fez a última curva aliviado e encontrou a caverna do velho,
onde viu a luz de uma fogueira lambendo as paredes rochosas. Entrou e ali viu
seu velho amigo sentado segurando uma vara com algum tipo de fruto na ponta,
sob o fogo.
- Como tem passado? – Lhe perguntou o homem sem levantar os
olhos, mas sorrindo daquele jeito banguela que irradia uma felicidade
contagiante, e fez com que o rapaz não se lamentasse mais por estar no alto de
uma montanha gelada, enquanto as flores desabrocham no vale.
- Bem, apesar de alguns obstáculos. – Lhe respondeu enquanto
tirava o manto úmido das costas.
- Temperança, Sacerdotisa hein?
- Ah... bem, sim. E ainda ganhei um livro!
- Ganhou. Mas sempre foi seu. Mas é esse o sentimento quando
não sabemos que temos algo e de repente, plim, aparece.
Aproximou as mãos do fogo para se aquecer, enquanto o velho
tirava a vara com o fruto do fogo.
- Recebeu meu chamado a contragosto não é?
- Caminhamos tanto tempo lado a lado que ás vezes sinto
saudade, mas você sabe, o caminho do Eremita é entender que tudo é aprendizado.
- Você parece ter entendido muito bem.
- Venho me esforçando para isso.
O velho sorriu banguela. Era verdade que o rapaz sempre se
esforçava para entender as situações pelas quais ele próprio passava, mesmo que
inicialmente tudo fosse confuso, sabia muito bem que era questão de tempo e de
se distanciar da questão para conseguir vislumbrar o todo e assim galgar pouco
a pouco o crescimento.
- Não há muito o que eu possa fazer por você agora.
- O que quer dizer?
- Estamos nos despedindo.
- Você não pode me deixar... quero dizer... preciso me
encontrar com você de tempos em tempos, conversar e tentar entender as coisas.
O velho se levantou e foi para o fundo da caverna, onde acendeu
o que parecia ser um candeeiro e quando virou-se, o rapaz viu um homem alto, de
barba longa e branca, com um manto que parecia ser um céu estrelado que se
expandia por todo o fundo da caverna, na sua mão direita um cajado de carvalho
entalhado com imagens de azevinho.
Um vento gelado soprou pela entrada da caverna, fazendo a
fogueira quase se apagar e assim que ela se restabeleceu o rapaz viu o homem
banguela na sua frente novamente.
- Para você. – Lhe estendeu o candeeiro feito de prata. – A partir
de agora você pode encontrar seu próprio caminho sem que exista minha influência.
Quando precisar, feche os olhos e mantenha a mente calma, focada nas estrelas e
na luz que há em você. Estaremos juntos de qualquer forma, mas é tempo de saber
que você é também seu próprio Eremita.
Agradeceu sem saber o que falar.
- Agora parta.
O rapaz se levantou e foi para a saída da caverna, com a
certeza de que aquele momento não era um adeus, mas um até logo.
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