terça-feira, 4 de outubro de 2016

Oração nº 2 - Quando não vemos a 4ª Taça se enchendo


Amei te ver.



Tocou novamente Eduardo e Mônica. Revirou os olhos e tirou os fones de ouvido, mudou de posição na cama. Queria dormir nem que fosse para ter um pesadelo, muito embora não tivesse percebido que ao colocar aquela música no celular estava praticamente chamando por algum tormento, uma memória mal resolvida que vem à tona, às vezes como algo bom que aquece o coração, às vezes o efeito é inverso.

Puxou as cobertas e colocou o travesseiro sob os olhos. Não demorou e adormeceu.

***

Sinto sua falta.

Dizia a mensagem.

Podemos nos ver?

Veio logo em seguida.

Mentalmente respondeu que “não”. Escreveu qualquer coisa sobre estar disponível em algum dia da semana.

Então semana que vem nos vemos.

Talvez. 

Respondeu mentalmente de novo, mas dessa vez não deu a devolutiva.

Pensou sobre todas as situações enfrentadas e naqueles quase 2 anos de um vai e vem sem trégua. Sentiu-se cansado por ter passado por isso e com uma preguiça sem tamanho para permitir um novo encontro. Talvez.

O cotidiano lhe tomou a atenção e não se lembrou das trocas de mensagens com o velho conhecido. Ficou feliz com algumas soluções encontradas no trabalho e radiante com algumas possibilidades que se descortinaram e se esqueceu de comentar com a amiga sobre a procura de supetão e a conversa como aconteceu. Talvez.

Saiu com alguns colegas para se divertir e saciar a fome de terem tantas coisas em comum mas a relação estar fadada ao ambiente de trabalho. Riram e se alimentaram de pizza e de uns dos outros – como uma saudade não dita, mas latente, sem memorandos, ofícios, comunicados e reuniões. Foram embora com o sentimento de que deveriam provocar mais momentos como esse e quem sabe alugar algum lugar para passarem um fim de semana juntos, fazendo churrasco e bebendo. Talvez.

Recebeu um convite para dar uma escapada do trabalho. Ir para uma outra cidade acompanhar o amigo que iria fazer uma consulta médica e caso sobrasse tempo, dar umas voltas no shopping. Conversaram sobre vários assuntos no caminho, bebericavam um no outro como uma abelha que se aproxima de uma flor. A amizade iria desabrochar em breve e se tornariam bons companheiros. Talvez.

***

Estou na cidade.

Chegou bem?

Sim, cansativo, mas bem.

Que bom.

Nos vemos na sexta-feira?

Uma mulher havia descoberto a traição de seu marido. Um casal apaixonado se rendia à paixão avassaladora que geraria uma criança depois de 9 meses. Uma menina mostrou o dente de leite que tinha acabado de cair. Um adolescente começou um canal na internet e depois de 3 anos iria se tornar muito famoso. Um homem tropeçou na rua e caiu em uma poça d’água. Uma moça conseguiu uma entrevista de emprego depois de 2 anos sem trabalhar. Uma criança caiu do berço quando tentava escalar e estava aos berros esperando pelo socorro dos pais. Uma mulher escolhia o vestido que usaria na sua formatura em medicina.

Ele demorou 20 minutos para responder aquela mensagem e não tinha ideia da quantidade de coisas que haviam acontecido pelo mundo enquanto estava ali, parado com o celular na mão refletindo sobre o que falar (ou escrever) e ainda assim, só conseguiu ser sincero na sua própria cabeça.

Mas respondeu que “sim”.

***

Talvez.

- Vamos para um bar? – Perguntou seu amigo

- Vamos, deixa eu ver se a Beatriz vai. – pegou o celular e ao procurar pelo contato dela, recebeu uma mensagem:

Oi?

Passou rapidamente pelos contatos e ligou para ela que aceitou, desde que esperassem se arrumar. Foram até a casa dela enquanto olhavam para a lua que minguava, conversavam amenidades e cantavam Eduardo e Mônica que tocava na rádio.

- Nessa parte, “a Mônica de moto e o Eduardo de camelo”, você sabe o que significa camelo?

- Olha, nunca ouvi essa expressão, mas pelo contexto é bicicleta?

- A maioria das pessoas que pergunto isso não sabem o que responder, acham que ele só queria uma palavra que pudesse rimar.

- Renato Russo jamais faria isso.

- Nem todo mundo conhece.

- Não, nem todo mundo conhece.

Saíram os três e voltaram pela madrugada. Foi divertido. Um pouco divertido. Talvez.

***

Me esqueci, desculpa.

Talvez

Tudo bem, final do mês eu volto.

Talvez

Entendi

Talvez

Podemos nos ver?

Talvez

Sim

Talvez

Me lembrei de uma coisa

Talvez

O que?

Talvez

Uma música que você me mandou e achei fofa

Talvez

Qual?

Talvez

Amei te ver, do Tiago Iorc

...

...


Sim.


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