“Leonard era um grande
mentiroso, que falava o que precisava para conseguir aquilo que desejava. Até
mesmo se aproximou de uma pessoa e espalhou boatos sobre ela para colocar seu
namorado em um sentimento ruim e se afastar de sua amiga. Uma péssima pessoa”
- É assim que você começa e termina um primeiro capítulo?
- Não tenho muito o que falar sobre ele.
Ele cerrou os olhos em sinal de desaprovação e permaneceu
parado como uma estátua à espera de uma mudança na fala do homem que deveria
iniciar o Capítulo Um Mau Começo.
- Ok... – Deu às costas e voltou-se para o livro em branco.
Um Mau Começo
“Se você procura por
uma história com final feliz, essa postagem com toda certeza não é para você.
Mas se você procura um conto sobre mentiras escandalosas, torta de limão e um
livro roubado, possivelmente essa é a história que você procura. Mas se ainda
deseja manter alguma esperança em seu coração, pode pular para alguma outra
postagem que fala sobre coisas mais felizes, como um Sol que aquece ou um Carro
que avança com força.
Nosso herói inicia a
jornada diante das boas intenções de uma conhecida sua, com quem por várias e
várias vezes dançou e bebeu junto em uma boate.
- Tenho uma pessoa
para te apresentar.
- Ele é bonito?
- Não, mas acho que é
uma boa pessoa e vocês combinam.
É nesse momento que
entendemos o significado da palavra intenção que nesse caso se remete a uma tentativa de realizar algo pelo outro,
em específico nessa situação, algo bom. O mundo está repleto de intenções e de
vontades, algumas boas e outras tantas ruins. O que define exatamente se é algo
bom ou ruim depende basicamente da pessoa que teve a ideia. No caso, nosso
herói acredita até hoje que a menina teve a melhor de todas as intenções,
apesar do quão obtusas se tornaram as situações a partir do momento em que
decidiu colocar uma roupa bonita, passar perfume e ir ao encontro do rapaz no
shopping. Nesse ponto, é melhor que você pare com a leitura, a partir de agora
as coisas irão ocorrer de forma tão desesperançosa que nem vale a pena.
O encontro foi
interessante, apesar do homem alto e de aparência estranha ficar sempre se
movendo, não conseguia permanecer com o corpo parado em nenhum momento. “Deve
ser um pouco agitado”, pensou o garoto
com toda a magnificência da inocência.
Após pedirem seus
cafés, conversarem sobre como era a vida deles, decidiram ver algum filme no
cinema e ao se levantar o rapaz alto disse:
- Esqueci minha carteira...
- Ah, tudo bem eu pago
– E sorriu.
Senhoras e senhores.
Quando esse tipo de constrangimento acontece, você não sabe exatamente onde
enfiar a cara – essa expressão, acredito eu, vem de uma família de aves
distante da família humana. Distante no sentido biológico, já que não há
notícias sobre uma família de avestruzes que jantaram com uma família humana,
portanto no sentido emocional e mental não podemos ter certeza da exata
distancia que há entre nós e eles. A questão é que essa família de aves gosta
de enfiar a cabeça em algum buraco pelo chão quando acontece algo ruim por
perto (fonte de consulta: desenhos animados). O homem não trouxe a carteira e
não aparentava estar constrangido com o fato, embora ele não fosse um avestruz,
não parecia propenso em abrir um buraco no chão para se enterrar e nem enterrar
a própria cabeça.
- Vamos para o cinema
então. – E saiu caminhando na frente, seguido pelo nosso jovem herói.
Assistiram o filme, se
divertiram e até ficaram de mãos dadas. Nosso protagonista parecia feliz com a
situação e aquele era seu primeiro encontro, quem sabe ele se transformaria no
primeiro namorado? Nossas escolhas, às vezes, são cruéis conosco mesmo.
***
- O recheio ficou bom,
como você fez?
- Leite condensado,
limão e um ingrediente secreto. – Disse sem olhar para ela.
- Sei.
Quando o homem foi
usar o banheiro, a melhor amiga de nosso protagonista abaixou o tom de voz e o
chamou em um canto:
- Koi, ele é estranho.
- Como assim?
- Não sei, tem algo
esquisito nele.
- Não gostou da torta
de limão?
- Não gostei dele.
- Besteira.
Se empanturraram com o
doce, e embora a garota estivesse sendo simpática, para o seu melhor amigo era
visível o desconforto dela.
- Vamos embora. – Leonard
propôs sem parecer uma proposta e sim uma imposição.
Se despediram e quando
já estavam na rua, o falacioso homem lhe disse que gostaria que conhecesse uma
pessoa especial para ele. O garoto aceitou feliz a possibilidade de se
encontrar com mais uma pessoa enganada por ele um pessoa especial para ele.
Foram pelas ruas
conversando sobre amenidades e sobre o trabalho do homem alto e eis que aqui
aparece mais uma possibilidade para fugir da armadilha que era essa relação.
Nosso protagonista entretanto, apesar de sua inocência ser um grande dom, não
usou de sua própria intuição e inteligência.
- Sua amiga não gosta
tanto assim de você.
- Por que?
- Ela disse que você
incomoda demais quando aparece lá.
- Ela não disse isso.
- Sim disse, falou que
você vai muitas vezes e às vezes ela só quer sossego.
- Hum...
- Ficou chateado?
- Não.
- Por que?
- Ela jamais diria
isso.
- Não acredita em mim?
Acha que sou mentiroso?
- Não é isso. – E fez
silêncio.
Era um apartamento que
ficava na curva de uma rua larga, olhando debaixo para cima parecia uma dessas
casas retiradas de algum livro de contos estranhos, sem nada de feliz. Mas
ainda que obviamente devesse correr na direção oposta ao homem que estava ao
seu lado, como se estivesse em uma maratona ou se sua vida dependesse disso,
ficou ali e se sentiu importante por
conhecer uma pessoa especial para ele.
Era sua tia. Não se
lembrava exatamente o nome dela, apenas que era uma senhora dada a se divertir
em bingos, com várias amigas na mesma faixa de idade, solteiras e viúvas.
Poderia facilmente se passar pela vovó da chapeuzinho vermelho, talvez bem mais
moderna, mas ainda assim teria sido engolida pelo lobo – e foi.
O encontro foi
excepcionalmente gostoso, com direito a café e bolo de fubá. Conversaram
bastante e se sentiu acolhido quando a senhorinha contou a respeito de um amigo
gay que tivera, que havia morado no mesmo prédio que ela e que saíram várias
vezes - uma ótima companhia. Mas como
essa história não é nada feliz (e você leitor já foi avisado sobre isso), uma
situação trágica acometeu o seu querido amigo. Havia morrido uns anos antes,
vítima de um acidente de carro voltando de uma festa com seu namorado. O nosso
herói se apiedou da senhora enquanto segurava a foto de um garoto que deveria
ter a idade dele e decidiu que viria visita-la mais vezes para que não se
sentisse tão sozinha.
Depois dessa conversa
que tiveram sem Leonard, que saiu repentinamente para resolver algum assunto
isento da verdade, foram para a cozinha comer mais bolo. Então ela começou a
lhe contar da relação difícil que seu sobrinho tinha com os pais, envolvia
brigas terríveis, expulsão de casa e falta de apoio dos irmãos dele. Ela
acreditava que era pelo fato dele ser gay, mas não tinha tantas certezas sobre
isso.
Leonard chegou
esbaforido e com a boca vermelha, que dizia ele tinha coçado bastante alguns momentos
antes de chegar no apartamento. Foram embora logo depois.
***
Nesse ponto da
história é quando uma vozinha dentro da cabeça do nosso protagonista começa a
dizer coisas a ele. Coisas boas, não confundir com algum tipo de esquizofrenia.
Ele teve um momento para se salvar da rede de mentiras em que estava caindo mas
como todo bom vilão, Leonard tinha uma carta na manga para segurá-lo.
Ao perceber que o
garoto estava achando as histórias e situações cada vez mais estranhas e
confusas, Leonard lhe confidenciou um imenso segredo, algo que envolvia risco
de morte – que nesse caso o significado biológico é perfeitamente aplicável,
como sendo interrupção definitiva da vida de um organismo – o vilão lhe disse
que estava com leucemia.
Abraçaram-se e o
garoto teve medo por perder o seu, então, namorado. Passou várias noites sem
dormir direito e até acordou o outro durante a madrugada enquanto chorava
triste. Até mesmo sua melhor amiga que já sentia o fedor de enxofre nas
mentiras contadas ficou preocupada e permitiu que Leonard levasse um de seus
queridos livros para ler entre um vômito e outro, enquanto estivesse em
tratamento.
Bem, esse livro nunca
mais retornou a ela e nosso protagonista teve de procurar e comprar outro livro
que substituísse aquele. Ao contrário de Leonard, nosso jovem herói tem um
forte senso sobre o que é certo e errado. Lhe faltava malandragem, que é aquela
pessoa que vive através de recursos engenhosos para conquistar algo na vida.
Diante de tanto
desespero, nosso herói decidiu fazer mais uma visita à casa da tia do nosso
nada bem quisto vilão.
Quando entrou pela a
senhora lhe deu um abraço apertado e o chamou até a cozinha para comer um
pedaço de bolo de maçã e tomar um café.
- Filho, preciso te
dizer uma coisa.
- Sim? – Ficou preocupado
com a notícia que estava por vir.
- É tudo mentira.
- Tudo o que?
- O que o Leonard
disse.
- Sobre...?
- Tudo. A irmã dele
veio aqui e disse que não há nenhum problema na casa dele. Eles até dão
dinheiro quando ele precisa muito.
- Isso é bom por que a
doença dele...
- Doença?
- Sim, a leucemia...
- Ele disse isso?
- Sim, disse que vai
viajar esse fim de semana para começar o tratamento.
- Sobre isso.. bem...
você não é o único namorado dele...
- Como... assim...?
- Ele tem outro
namorado, a família conhece e... eles... vão para o litoral no sábado.
Nosso destemido e
inocente herói bebericou o café por que as palavras se engasgaram na sua
garganta – o que significa nesse caso que era como se existisse uma bola do
tamanho das que são utilizadas no jogo de tênis, entalada na sua garganta,
embora fisicamente isso só poderia significar a morte, emocionalmente ou
psicologicamente isso representava uma vontade indescritível de colocar para
fora todos os sentimentos ruins, provavelmente através de choro.
Saiu do apartamento
dela com o coração apertado, e quanto mais caminhava sentia que a senhorinha
ficava cada vez menor até se tornar um borrão. Parecia que os caminhos que
estavam por vir se revelariam tenebrosos – que aqui quer dizer “cheio de
desgosto e sem sentido.”
Ao menos, não se viram
mais. Exceto quando nosso vilão o chamou em uma rede social e obteve como
resposta “Não me procure mais seu ladrão”. Obviamente nosso herói iria se tornar cada vez mais uma pessoa
diferente, mas essa história fica para outro momento.”,
“Querida Sacerdotisa,
Espero que essas
linhas estejam a seu contento e percebo agora que Leonard, o vilão que aparece
nessa história desafortunada era na verdade, ele próprio um total desprovido de
sorte e moral. Nada que nosso herói pudesse fazer iria mudar a situação pela
qual passou e julgá-lo pela sua inocência diante do péssimo caráter de alguém
10 anos mais velho seria injusto.
Escrevo enquanto minha
memória passa se recobrar de uma festa estranha em uma rua sem saída, uma
conversa sobre magia de atração e tontura por falta de almoço.
Com amor,
XXX”


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